quarta-feira, 15 de abril de 2020

«O passado é um país estrangeiro»

A frase que compõe o título deste texto é da autoria de um geógrafo norte-americano chamado David Lowethal. Hoje, em mais um dia de amorfo confinamento por conta desta pandemia que não quer ir embora, tropecei nesta frase e deu-se a epifania: «Sim, é isto».
Realmente depois deste surto nada será como antes. A economia irá ressentir-se, deixando muitos desempregados e imensas famílias à mercê da sua sorte. Vamos ainda demorar bastante tempo até repormos a total confiança na nossa sociedade para que possamos voltar às nossas rotinas diárias habituais. A própria reabertura económica e de espaços sociais será gradual. Toda esta conjuntura vai deixar cicatrizes profundas, inclusivamente na própria saúde mental de toda a humanidade. E o passado é verdadeiramente um país estrangeiro, onde tudo se faz de maneira diferente.
É um exercício peculiar, este de percorrermos a nossa memória e constatarmos como eram diferentes os dias que antecederam à entrada do vírus nas nossas vidas.
Percorro estas lembranças com uma certa nostalgia, chegando mesmo a pensar que vivíamos todos com uma ingenuidade tremenda  porque não vislumbrávamos nada de tão catastrófico no nosso, por vezes, tacanho, individualista e mesquinho horizonte. Por aqueles dias, o maior problema era a corrupção no futebol português, as cuecas da Cristina Ferreira em directo ou uma qualquer polémica trivial trazida pela espuma dos dias.
Agora enquanto sociedade e fruto desta desgraça, discutimos a equidade no sistema de ensino português, a falta de meios humanos e técnicos no Sistema Nacional de Saúde e de como vamos apoiar os sectores que sairão mais danificados da crise provocada pelo surto do novo coronavírus. Considero que esta pandemia não vai melhorar-nos intrinsecamente enquanto indivíduos, mas alterou definitivamente o ângulo com que olhamos para a sociedade que há muito construímos e, por isso, necessita de mudanças e reformas urgentes.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Adolescência e secundário são farinha do mesmo saco

Eu quando andava no secundário era parvo. Sim, eu sei no que estão a pensar. Todos  temos algo de idiotas no liceu. Eu, por  muito que me custe admitir, era o palhaço da turma. Bastava-me arrotar uma qualquer barbaridade para que as gargalhadas se multiplicassem por toda a turma como qual bando de andorinhas a rasgar os céus. Os meus professores nunca gostaram do meu humor, talvez porque consideravam-no um desafio à sua autoridade. Mas não era. Afinal eram só graçolas básicas de um miúdo que não fazia a mínima ideia do que estava ali a fazer.

 O conceito de "turma" também é curioso. É um daqueles microorganismos repleto de grupos, tendo cada um deles uma cultura e um espaço próprio. Um destes clãs é a "carneirada" que funcionam como uma minoria silenciosa. Limitam-se a marcar presença, raramente falam e nunca emitem qualquer opinião. Geralmente, são os preferidos dos professores. Depois existem os "sensíveis revolucionários", que costumam despertar algum interesse no género feminino. Estes são os guerreiros das causas perdidas, fazendo-se acompanhar quase sempre por uma guitarra, nem que seja só para o"style".

 Um dos grupos que mais simpatizava eram os "perdidos".
Esta malta são gajos que palmilham a crosta terrestre simplesmente porque os pais deles fornicaram e geraram um feto. A escola para eles é um edifício, mas tudo o que a compõe: professores, aulas, disciplinas e matérias não lhes diz absolutamente nada. Basicamente, estão-se nas tintas para tudo. Mas acabam por ser respeitados pelos outros adolescentes, porque nesta fase da vida ser-se um imbecil é sinónimo de admiração entre a comunidade da "idade do armário".

 Esta ópera de acne, depressão e relativismo juvenil é coroada com uma viagem de finalistas a um destino manhoso para os lados da Andaluzia. Aqui enterra-se a primavera da vida com uma quantidade industrial de alarvidade entre bubadeiras, vandalismo e promiscuidade sexual. Depois acorda-se em Lisboa. Torre de Molinos já é longínquo e ainda falta o terceiro período. Que seca.