quarta-feira, 24 de maio de 2023

Hometown

Hometown

 Em outras vidas, posso tocar nos teus cabelos.

 A velha rua, cintenza mas branca, da adolescência esquecida. 
O amor, esse cresceu. 
Os amores que abandonei,
Esperam-me no jardim de sempre

Não é a primeira vez que nos cruzamos
Ecoam as canções
Ontem vi o velho parque
decrépito, mas a jornada do sonho continua acesa

Aprendi todas as lições
As do passado, presente e futuro
Tive de esquecer tudo para perceber a minha sombra.
Olha, aquela criança lembra-me de ti.
Só o passado pode construir o futuro. 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Hoje desci à rua.

 Fui cegado pelas sombras. 

Fiquei inconsciente pelas luzes.

Homens manobram as marionetas, cujas formas são projectadas nos écrans da vida.

Os sacerdotes lançam os seus pozinhos, dilacerando ao seu bel-prazer todos aqueles que parecem ver além do vendaval dos brilhos.

A parafernália de luz e vultos é intensa e magnetizante. Poucos são os que fogem ao seu cinismo. 

Fora as alegorias, a verdade está lá fora: no chão, na rua e em nós.  

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A escória que vai de férias

 Em Portugal, paira um certo ódio gratuito em relação às pessoas que vão de férias. É comum, quando contamos a alguém que vamos de veraneio para algum lugar, escutar aquela expressão inconfundível: «de férias? Ricas Vidas!». De seguida, vem sempre o lamento em tom de auto-elogio: «Já não tiro férias há dois anos». Quando oiço isto apetece-me logo dizer: «Então é melhor ir ao médico» ou «Secalhar, está na hora de tirar uns dias e ir até ao Algarve». Mas não o faço. Não quero enfrentar a fúria, nem beliscar de alguma maneira o ego de quem nunca tira férias, pois com esta malta —que está à beira de um esgotamento nervoso— não se brinca. 

Quem também está de férias é o malandro do Presidente da República e já se fizeram escutar algumas farpas,como aliás era de esperar. Marcelo Rebelo de Sousa foi até à ilha do Porto Santo, segundo o próprio, com o objectivo de promover o turismo daquela zona. Até o Presidente da República tem de arranjar desculpas para poder ir descansar três dias sem ficar mal na fotografia. Contudo, a figura principal da nação já reiterou que caso os incêndios alastrem e ganhem maiores proporções, Marcelo vai logo a correr para Sernacelhe.

 Eu acho que para combater um fogo a escolha mais óbvia será bombeiros, mangueiras e, se o incêndio assim o exigir, aviões. Agora, Professores catedráticos de Direito num cenário de combate às chamas só atrapalham, porque estão sempre a analisar tudo de um ponto de vista jurídico: «Olhe, Comandante Fernandes não pouse a mangueira aí porque essa zona é propriedade privada» ou «Ah e tal, não pode beber uma mini mesmo depois de apagar um fogo, porque isso é inconstitucional». Pois, é verdade, só estorva.   

Se estivesse na posição de Presidente da República, preferia perder eleições, do que trocar três dias na praia idílica do Porto Santo por uma sandes de courato nos Bombeiros Voluntários de Sernacelhe. Citando o nosso saudoso ex-Primeiro Ministro, Pedro Passos Coelho: «Que se lixe as eleições!».



quarta-feira, 15 de abril de 2020

«O passado é um país estrangeiro»

A frase que compõe o título deste texto é da autoria de um geógrafo norte-americano chamado David Lowethal. Hoje, em mais um dia de amorfo confinamento por conta desta pandemia que não quer ir embora, tropecei nesta frase e deu-se a epifania: «Sim, é isto».
Realmente depois deste surto nada será como antes. A economia irá ressentir-se, deixando muitos desempregados e imensas famílias à mercê da sua sorte. Vamos ainda demorar bastante tempo até repormos a total confiança na nossa sociedade para que possamos voltar às nossas rotinas diárias habituais. A própria reabertura económica e de espaços sociais será gradual. Toda esta conjuntura vai deixar cicatrizes profundas, inclusivamente na própria saúde mental de toda a humanidade. E o passado é verdadeiramente um país estrangeiro, onde tudo se faz de maneira diferente.
É um exercício peculiar, este de percorrermos a nossa memória e constatarmos como eram diferentes os dias que antecederam à entrada do vírus nas nossas vidas.
Percorro estas lembranças com uma certa nostalgia, chegando mesmo a pensar que vivíamos todos com uma ingenuidade tremenda  porque não vislumbrávamos nada de tão catastrófico no nosso, por vezes, tacanho, individualista e mesquinho horizonte. Por aqueles dias, o maior problema era a corrupção no futebol português, as cuecas da Cristina Ferreira em directo ou uma qualquer polémica trivial trazida pela espuma dos dias.
Agora enquanto sociedade e fruto desta desgraça, discutimos a equidade no sistema de ensino português, a falta de meios humanos e técnicos no Sistema Nacional de Saúde e de como vamos apoiar os sectores que sairão mais danificados da crise provocada pelo surto do novo coronavírus. Considero que esta pandemia não vai melhorar-nos intrinsecamente enquanto indivíduos, mas alterou definitivamente o ângulo com que olhamos para a sociedade que há muito construímos e, por isso, necessita de mudanças e reformas urgentes.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Adolescência e secundário são farinha do mesmo saco

Eu quando andava no secundário era parvo. Sim, eu sei no que estão a pensar. Todos  temos algo de idiotas no liceu. Eu, por  muito que me custe admitir, era o palhaço da turma. Bastava-me arrotar uma qualquer barbaridade para que as gargalhadas se multiplicassem por toda a turma como qual bando de andorinhas a rasgar os céus. Os meus professores nunca gostaram do meu humor, talvez porque consideravam-no um desafio à sua autoridade. Mas não era. Afinal eram só graçolas básicas de um miúdo que não fazia a mínima ideia do que estava ali a fazer.

 O conceito de "turma" também é curioso. É um daqueles microorganismos repleto de grupos, tendo cada um deles uma cultura e um espaço próprio. Um destes clãs é a "carneirada" que funcionam como uma minoria silenciosa. Limitam-se a marcar presença, raramente falam e nunca emitem qualquer opinião. Geralmente, são os preferidos dos professores. Depois existem os "sensíveis revolucionários", que costumam despertar algum interesse no género feminino. Estes são os guerreiros das causas perdidas, fazendo-se acompanhar quase sempre por uma guitarra, nem que seja só para o"style".

 Um dos grupos que mais simpatizava eram os "perdidos".
Esta malta são gajos que palmilham a crosta terrestre simplesmente porque os pais deles fornicaram e geraram um feto. A escola para eles é um edifício, mas tudo o que a compõe: professores, aulas, disciplinas e matérias não lhes diz absolutamente nada. Basicamente, estão-se nas tintas para tudo. Mas acabam por ser respeitados pelos outros adolescentes, porque nesta fase da vida ser-se um imbecil é sinónimo de admiração entre a comunidade da "idade do armário".

 Esta ópera de acne, depressão e relativismo juvenil é coroada com uma viagem de finalistas a um destino manhoso para os lados da Andaluzia. Aqui enterra-se a primavera da vida com uma quantidade industrial de alarvidade entre bubadeiras, vandalismo e promiscuidade sexual. Depois acorda-se em Lisboa. Torre de Molinos já é longínquo e ainda falta o terceiro período. Que seca.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Gargalhadas no meio da tempestade pandémica

Há certas coisas que escapam à minha compreensão na cobertura mediática que está a ser dada a esta pandemia do novo Coronavírus. Para começar, as longas ligações em directo das «intrincadas» e «complexas» operações de transferência de dezenas de idosos de um lar para um hospital. Estas operações não têm nada de hollywoodesco, ao contrário do que a longa e maçadora cobertura televisiva parece fazer querer. Afinal, são somente utentes e funcionários de lares a entrarem num autocarro deslocando-se das instituições onde estavam instalados para um outro sítio.  Eu sei que os media procuram acção a rodos e um êxtase dramático marcante, mas tenham paciência rapaziada, ainda não vale tudo, pelo menos por enquanto.

Outro aspecto que merece destaque, são os discursos dos pivôs no encerramentos dos telejornais, que por esta altura transformaram-se num misto de culto evangélico com uma série juvenil da Netflix. É certo que são palavras heróicas e encorajadoras, porém transportam um positivismo algo irritante e excessivo. Sejamos sinceros, até pode ser bonito, mas de jornalismo tem muito pouco.

Um dos fetiches dos jornalistas por estes dias é também o estado de saúde de Jorge Jesus. Bem sei que o técnico português tem apelido de profeta e até lidera uma religião de fanáticos— uma equipa de futebol brasileira—  mas será mais relevante a sua existência do que as 700 mil pessoas que já foram infectadas pelo vírus ou dos milhões que ainda podem vir a ser afectados, mesmo que indirectamente, pela epidemia?

Não podia deixar de referir as belas prateleiras de livros dos comentadores televisivos. Estes ostentam a sua superioridade intelectual exibindo as suas extensas bibliotecas. Neste caso, os livros funcionam em sentido proporcional às medalhas de guerra de um militar: quanto maior for o número de obras, maior é o seu prestígio. Numa sociedade fútil, mais vale parecer do que ser, já diziam os antigos.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Coronavírus: A União Europeia também está infectada com o vírus do egoísmo.

A União Europeia corre mais riscos do que nunca de desaparecer. A gritante inacção política perante a crise sanitária e económica que a Europa atravessa, coloca Bruxelas presa num nó impossível de desatar.

Sou um leigo nestas matérias. Não conheço por dentro as movimentações dos bastidores políticos, mas como qualquer outro cidadão faço leituras, porque afinal na política «aquilo que parece, é». Neste caso, apercebo-me que há dois grupos dentro desta «União»: os países do sul da Europa, a tentarem reerguer-se da crise de 2008, na qual foram os mais penalizados pelas medidas de austeridade, sendo este «castigo» sustentado pela narrativa assente no pressuposto de termos todos vivido acima das nossas possibilidades— que do meu ponto de vista é manifestamente errado.

 A outra facção é a dos países do centro e norte da Europa, encabeçada pela Alemanha, que não querem sacrificar alguma da riqueza da sua comunidade para reerguer as economias mais frágeis do velho continente. Esta falta de solidariedade sem precedentes na história da Europa, num momento de grande pânico social, dá-nos a clareza de que esta «União» parece só defender os interesses dos países ricos do norte e do centro do continente, servindo exclusivamente para estes circularem livremente os seus bens e recrutarem recursos humanos qualificados a um preço acessível, aos periféricos e pobres países do sul. Na altura de reerguer as economias mais frágeis, onde o impacto da pandemia do novo Coronavírus terá consequências potencialmente catastróficas, os estados mais abastados fogem das suas responsabilidades enquanto membros de uma união política e económica.

Parece-me inequívoco que uma pandemia com esta dimensão necessita de medidas económicas decretadas a nível europeu, exigindo uma reacção concertada por parte de todos os estados-membros. Os líderes europeus não podem pensar que esta pandemia ficará circunscrita a alguns países, pois este vírus não conhece fronteiras.

Caso não apareça uma solução conjunta, tanto a nível económico, como sanitário, e se mantenham atitudes que reflectem um egoísmo brutal, como a do Ministro das Finanças holandês— que pediu uma investigação à Espanha por esta não ter capacidade orçamental para combater a crise provocada pela pandemia— é perceptível que o futuro da União Europeia, tal como a conhecemos, encontra-se altamente comprometido.

Nas sociedades mais afectadas pela Covid-19, pairará a desconfiança para com os restantes parceiros europeus. A falta de solidariedade entre os vários estados sairá sublinhada, reforçando os nacionalismos. É no mínimo bizarro constatar que os mesmos altos líderes da União Europeia, que no seu discurso combatem tão ferozmente o crescimento dos populismos nacionalistas na Europa e no mundo, são os mesmos cuja acção política efectiva alimenta estes movimentos.