segunda-feira, 23 de março de 2020

A Quarentena

Há uns anos li um livro de Albert Camus, «A Peste», e fiquei transtornado com aquele cenário sufocante de uma epidemia no norte de África.

Passou-me mesmo pela cabeça o quanto aterrador deveria ser viver algo parecido na primeira pessoa. Hoje sou eu, o médico em Argel, que encara o futuro com uma incerteza descontrolada, com um medo paralisante e uma falta de esperança angustiante. Tento combatê-la e contrariá-la. Não sei o que o amanhã trará. Nunca o suposto último verso da vida de Pessoa fez tanto sentido. Tento fazer planos para o pós-quarentena, delineando na minha mente os sítios que quero visitar. Pretendo celebrar a vida como nunca o fiz, porque agora consigo valorizar as pequenas coisas. Este tempo serve-me para pôr tudo em perspectiva. Aquilo que outrora considerava essencial, hoje não passa de algo verdadeiramente acessório e o importante é sem dúvida o sono, a distracção, o bem-estar e a minha saúde.

 Vive-se um dia de cada vez, esperando que tudo corra pelo melhor, mas preparando-me para o pior. A catadupa de notícias não ajuda e a mente começa a ceder às trevas. Talvez precise de ir ao futebol, sair à noite, inebriar-me com álcool e outras futilidades juvenis. Adormecer e acordar daqui a três meses e tudo isto ser apenas uma miragem. Queria poder proteger todos aqueles que me rodeiam, a minha namorada, os meus pais, familiares e amigos. Mas somos humanos, ou seja, somos frágeis. Afinal, foi isto que esta epidemia veio sublinhar. A nossa ténue existência treme com um simples vírus microscópio, não havendo nem tecnologia, nem ciência que encontre a solução para este cataclismo. Onde estão os super-homens da ciência, os líderes cheios de certezas e poucas dúvidas? Agora somos todos fracos e à mercê da natureza.

Não sei se isto vai alterar alguma coisa na forma como a sociedade está estruturada, mas espero que sim. Em mim já mudou, ainda não sei o quê, mas vou esperar que o amanhã se revele.

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